domingo, 28 de julho de 2013

Férias Grandes



Quando conheci o Alexantre, tinha 14 anos. Era um rapaz de bom aspecto, mas muito franzino. O Alexandre chegou-me através da comissão e protecção de crianças e jovens para acompanhamento psicológico, por este apresentar dificuldades de aprendizagem, apesar de não apresentar nenhuma patologia neurológica revela défice de atenção/concentração e hiperactividade, em comorbilidade com comportamentos de oposição (tem acompanhamento medico e está a ser medicado). E por enumeras queixas de comportamento instável, demonstra pouco empenho na realização das tarefas, dificultando a superação das suas dificuldades. Segundo a sua professora o seu comportamento continua a ser inadequado quando lhe surgem contrariedades, revela muita dificuldade em se concentrar e muita pressa em concluir os trabalhos, o que só prejudica as suas aprendizagens.
O aluno já foi acompanhado anteriormente em psicologia num hospital de uma cidade do interior alentejano, mas o acompanhamento acabou por ser interrompido por falta de disponibilidade por parte do encarregado de educação em acompanhar o seu educando a a essa cidade. O menor em causa tem vindo a ser seguido em consulta de Desenvolvimento infantil nesse mesmo Hospital em pedopsiquiatria, e que seguidamente o referenciou para acompanhamento psicológico na escola, ao que foi deliberado pela comissão de menores em risco que o apoio psicológico ao aluno fosse o mais breve possível, tendo em consideração a necessidade urgente desta intervenção dada a sua situação sociofamiliar de brigas e conflito parental.
O Alexandre estabeleceu uma relação simpática com o psicólogo, apesar de ter alguma dificuldade em estabelecer contacto visual com o psicólogo e pouco comunicativo, oscilando entre o estado vígil e a apatia, no entanto demonstrou interesse pelas tarefas propostas, bem como empenho na realização das mesmas. Nos intervalos é implicativo com os colegas e funcionários e chama nomes, tornando-se mal-educado. É proveniente de uma família de estatuto socioeconómico baixo, daquelas famílias que o cidadão comum, da nossa sociedade tende em marginalizar e estigmatizar, chamando-os de mandriões e subsidiários do RSI, (rendimento social de inserção), culpabilizando-os da crise e por ai espalhando à boca cheia que não querem fazer nada e que deviam era de ir trabalhar malandros, referindo que: - Por causa de vocês estamos como estamos. Mas esquecem-se que estas famílias como as do Alexandre que me chegou a uma consulta na escola, não passam apenas de vitimas deste sistema em que vivemos, em que para uns terem as máximas regalias de topo, auferindo milhares e milhares de euros e de privilégios, e para que possam manter sossegados e caladinhos outros que podem destabilizar um pais, dão-lhes essas migalhinhas, para que os sucessivos governos neoliberais e “todo poderoso” possam governar e governarem-se da miséria de muitos.
E estes que assim falam criticando, revoltando-se contra estes pobres, esquecem-se que o mundo dá voltas e um dia podem ser eles os próximos a viver na miséria.
Segundo Paulo Freire “O respeito à autonomia e à dignidade de cada um é um imperativo ético, e não um favor que podemos ou não conceder uns aos outros".
E agora, Alexandre, só me resta desejar-te umas férias maravilhosas, como as que eu tive na minha infância que fez de mim um adulto são e resiliente contra as adversidades do mundo e se te voltar a ver em Setembro se voltar, possa-mos continuar as nossas conversas... Por ti e por muitos outros, um país inteiro deveria pensar no que anda a fazer, empurrando cada vez mais famílias a viverem como a família do Alexandre, condenando-as a viver miseravelmente, e em permanente conflito pela sobrevivência, sem tempo e nem espaço para deixar crescer o amor.
E assim, continuam a suceder-se situações de crianças e adolescentes que acabam por presenciar formas de violência doméstica, sobretudo formas de violência emocional e física entre pais que habitam ainda o mesmo espaço.
“Que os Homens que guardam da infância a experiência inédita, que interiorizam o movimento, o sentir, o amor, que construíram um mundo seu, o saibam abrir às crianças. Sem violência, para que haja amor, para que haja dialogo…” João dos Santos
Voltando às férias de verão, todas as crianças deveriam de ter umas férias como as da minha infância, passadas entre a companhia dos tios, tias, primos e primas nos Alqueves “Algarve” que ora passadas no campo debaixo daquela alfarrobeira secular em divertidas brincadeiras e longas horas de conversas entre primos; ora passadas na companhia daquele mar imenso, onde as ondas, o sol e o sal picado na pele fazendo cocegas deixam saudades desses tempos bonitos e felizes e saudades ainda maiores das pessoas que partiram e que partilharam connosco grandes momentos mas que nos deixaram uma grande riqueza, o amor que nos deram e que nos ajudou a crescer, tornando-nos mais fortes e resilientes à mudança e às adversidades da vida. E fazendo minhas as palavras do Pedro Strecht: “Todas as crianças deveriam mergulhar na água como peixes finalmente libertos dos apertos da terra, sentirem-se soltas enfim (o corpo, o espirito), após mais um ano de escola, da vida, do tempo a correr em contagem crescente” até que “Às duas por três morremos” e já nada mais importa a não ser o amor que nos une. 

Hoje como nunca é urgente o amor, é urgente proporcionar aos mais novos tudo o que eles merecem e os pode ajudar a construir pessoas e sociedades mais saudáveis, mais fraternas e mais justas. Não é à toa que muitos olham para este seculo como o tempo de ouro da infância, idade que não é também alheia a possibilidade de êxito do espiritualismo e do humanismo. E mesmo com tantas adversidades que ainda vê-mos à nossa volta, vale a pena acreditar que é possível mudar mundo. 


Nota: O nome do aluno foi alterado e não é o verdadeiro para que não se torne possível de identificar o jovem em causa...