Quando conheci o Alexantre, tinha 14 anos. Era um rapaz de bom aspecto,
mas muito franzino. O Alexandre chegou-me através da comissão e protecção de
crianças e jovens para acompanhamento psicológico, por este apresentar
dificuldades de aprendizagem, apesar de não apresentar nenhuma patologia
neurológica revela défice de atenção/concentração e hiperactividade, em
comorbilidade com comportamentos de oposição (tem acompanhamento medico e está
a ser medicado). E por enumeras queixas de comportamento instável, demonstra
pouco empenho na realização das tarefas, dificultando a superação das suas
dificuldades. Segundo a sua professora o seu comportamento continua a ser
inadequado quando lhe surgem contrariedades, revela muita dificuldade em se
concentrar e muita pressa em concluir os trabalhos, o que só prejudica as suas
aprendizagens.
O aluno já foi
acompanhado anteriormente em psicologia num hospital de uma cidade do interior
alentejano, mas o acompanhamento acabou por ser interrompido por falta de
disponibilidade por parte do encarregado de educação em acompanhar o seu
educando a a essa cidade. O menor em causa tem vindo a ser seguido em consulta
de Desenvolvimento infantil nesse mesmo Hospital em pedopsiquiatria, e que seguidamente
o referenciou para acompanhamento psicológico na escola, ao que foi deliberado
pela comissão de menores em risco que o apoio psicológico ao aluno fosse o mais
breve possível, tendo em consideração a necessidade urgente desta intervenção
dada a sua situação sociofamiliar de brigas e conflito parental.
O Alexandre estabeleceu uma relação simpática com o psicólogo, apesar de
ter alguma dificuldade em estabelecer contacto visual com o psicólogo e pouco
comunicativo, oscilando entre o estado vígil e a apatia, no entanto demonstrou
interesse pelas tarefas propostas, bem como empenho na realização das mesmas. Nos
intervalos é implicativo com os colegas e funcionários e chama nomes,
tornando-se mal-educado. É proveniente de uma família de estatuto
socioeconómico baixo, daquelas famílias que o cidadão comum, da nossa sociedade
tende em marginalizar e estigmatizar, chamando-os de mandriões e subsidiários
do RSI, (rendimento social de inserção), culpabilizando-os da crise e por ai espalhando
à boca cheia que não querem fazer nada e que deviam era de ir trabalhar
malandros, referindo que: - Por causa de vocês estamos como estamos. Mas
esquecem-se que estas famílias como as do Alexandre que me chegou a uma consulta
na escola, não passam apenas de vitimas deste sistema em que vivemos, em que
para uns terem as máximas regalias de topo, auferindo milhares e milhares de
euros e de privilégios, e para que possam manter sossegados e caladinhos outros
que podem destabilizar um pais, dão-lhes essas migalhinhas, para que os
sucessivos governos neoliberais e “todo poderoso” possam governar e
governarem-se da miséria de muitos.
E estes que assim falam criticando, revoltando-se contra estes pobres,
esquecem-se que o mundo dá voltas e um dia podem ser eles os próximos a viver
na miséria.
Segundo Paulo Freire “O respeito
à autonomia e à dignidade de cada um é um imperativo ético, e não um favor que
podemos ou não conceder uns aos outros".
E agora, Alexandre, só me resta desejar-te umas férias maravilhosas, como
as que eu tive na minha infância que fez de mim um adulto são e resiliente
contra as adversidades do mundo e se te voltar a ver em Setembro se voltar,
possa-mos continuar as nossas conversas... Por ti e por muitos outros, um país
inteiro deveria pensar no que anda a fazer, empurrando cada vez mais famílias a
viverem como a família do Alexandre, condenando-as a viver miseravelmente, e em
permanente conflito pela sobrevivência, sem tempo e nem espaço para deixar
crescer o amor.
E assim, continuam a suceder-se situações de crianças e adolescentes que
acabam por presenciar formas de violência doméstica, sobretudo formas de
violência emocional e física entre pais que habitam ainda o mesmo espaço.
“Que os Homens que guardam da
infância a experiência inédita, que interiorizam o movimento, o sentir, o amor,
que construíram um mundo seu, o saibam abrir às crianças. Sem violência, para
que haja amor, para que haja dialogo…” João dos Santos
Voltando às férias de verão, todas as crianças deveriam de ter umas férias
como as da minha infância, passadas entre a companhia dos tios, tias, primos e
primas nos Alqueves “Algarve” que ora passadas no campo debaixo daquela
alfarrobeira secular em divertidas brincadeiras e longas horas de conversas
entre primos; ora passadas na companhia daquele mar imenso, onde as ondas, o
sol e o sal picado na pele fazendo cocegas deixam saudades desses tempos
bonitos e felizes e saudades ainda maiores das pessoas que partiram e que
partilharam connosco grandes momentos mas que nos deixaram uma grande riqueza,
o amor que nos deram e que nos ajudou a crescer, tornando-nos mais fortes e
resilientes à mudança e às adversidades da vida. E fazendo minhas as palavras
do Pedro Strecht: “Todas as crianças
deveriam mergulhar na água como peixes finalmente libertos dos apertos da
terra, sentirem-se soltas enfim (o corpo, o espirito), após mais um ano de
escola, da vida, do tempo a correr em contagem crescente” até que “Às duas por três morremos” e já nada
mais importa a não ser o amor que nos une.
Hoje como nunca é urgente o amor, é urgente proporcionar aos mais novos
tudo o que eles merecem e os pode ajudar a construir pessoas e sociedades mais
saudáveis, mais fraternas e mais justas. Não é à toa que muitos olham para este
seculo como o tempo de ouro da infância, idade que não é também alheia a
possibilidade de êxito do espiritualismo e do humanismo. E mesmo com tantas
adversidades que ainda vê-mos à nossa volta, vale a pena acreditar que é
possível mudar mundo.
Nota: O nome do aluno foi alterado e não é o verdadeiro para que não se torne possível de identificar o jovem em causa...